Encontrando trabalho e tendo uma rotina

Assim que cheguei em Auckland demos entrada no processo pra eu conseguir o visto de trabalho. A NZ é um dos países com menos burocracia que eu já vivenciei (o que é excelente e deve ser seguido o exemplo por outros países), e o processo foi simples, feito pelo correio mesmo. Eu e o André precisamos provar que estávamos num relacionamento estável há pelo menos 2 anos (mostramos conta conjunta no banco, fotos de vários anos atrás de quando já estávamos juntos, cartas e cartões de aniversário que mandamos um pro outro, etc), prova de que o André estava empregado com um salário de pelo menos X,  e isso me dava direito a visto de trabalho. Em cerca de 1 mês estava tudo certo, e eu já estava na internet procurando anúncios de emprego como desenvolvedora de TI. Foi lá que pela primeira vez interagi com empresas de recrutamento, que procuram candidatos pra empresas, pagas pelas empresas, e não pelos candidatos (no Brasil lembro que tinha o site da Catho, onde o candidato que tinha que pagar pra se registrar e pocurar emprego).
Cheguei a fazer entrevistas com recrutadores e em algumas empresas. Vivia procurando anúncio no site seek.nz (www.seek.co.nz - ainda ativo) e achei o anúncio pra desenvolvedor VB, C# e SQL (bem aminha experiência) pra uma empresa de internet sem fio. A empresa chamava-se Woosh Wireless, e ficava num bairro bem legal, chamado New Market.
Fiz a entrevista com a mulher do RH e o cara que seria meu futuro chefe. Eu falava inglês razoavelmente bem, mas da época do intercâmbio ainda, e claro que estava meio insegura. Ainda mais com o sotaque neo zelandês, que no começo era muito difícil de entender.  Acabei indo bem na entrevista e fui contratada. Foi uma das melhores notícias que recebi, fiquei felicíssima! Foi como se finalmente pudesse dizer que estava morando em Auckland, e agora tinha emprego remunerado, e na minha área de formação. Foi uma importante vitória pra mim.
O time de desenvolvimento era razoavelmente pequeno, com 8 pessoas e mais o chefe. Tinha bastante trabalho pra fazer, pois era uma empresa recente, que ainda estava montando os sistemas e suas integrações. Queria mostrar serviço logo, e não demorou muito pro meu chefe perceber que eu era alguém em quem ele poderia contar pros problemas mais difíceis de serem resolvidos. Por mais de 1 ano eu fui a responsável pela integração entre o sistema de billing e o sistema financeiro, que era imprenscindível que fosse bem sucedida todo fim de mês, além da integração com operadoras de cartão de crédito pra processar pagamento. Essa experiência foi importantíssima pra eu chegar onde cheguei hoje. As técnicas que eu desenvolvi pra monitoramento uso até hoje. A diferença é que hoje existe acesso remoto, enquanto que lá muitas vezes eu tinha que sair de casa às 2 da manhã pra ir no escritório resolver algum problema. Adorava interagir com áreas de negócio, marketing, atendimento ao cliente, e queria resolver problemas nos sistema que eles usavam. Fiquei bem conhecida na empresa por resolver problemas e fazer as coisas funcionarem como eles precisavam. Eu participava também da organização do social club da empresa, onde organizávamos festas e eventos, como andar de kart, festa de natal, festa de verão, tarde de esportes etc.
Foi aí que comecei  a ter rotina: por mais de 2 anos eu e o André saíamos de casa juntos e ele me levava até a estação de trem, que ficava do lado da empresa onde ele trabalhava, em Ellerslie. Lá eu esperava o trem que me levaria até New Market, e dali seriam 10 minutos caminhando até a empresa. O serviço de trem era péssimo. Atrasava com frequência e muitas vezes era cancelado sem aviso. Juntando isso com a chuva constante de Auckland e a ida/volta pro trabalho normalmete não era agradável. Na volta, o André me pegava na estação em Ellerslie e íamos pra casa, onde nos trocávamos e íamos pra academia que ficava ali perto de casa, bem do lado de Panmure Basin. Era uma academia grande, mas nada muito moderno. Tinha duas piscinas, uma externa e outra interna. Eu fazia hidroginástica e nadava com bastante frequencia, além de fazer academia normalmente.
Nos finais de semana, passeávamos pelos arredores de Auckland.
O dinheiro do meu salário foi também muito bem vindo, e foi quando começamos a comprar mais móveis pra nossa casa.
Em New Market tem um shopping chamado 277 (o número do prédio), e eu ia com frequência almoçar lá com pessoas do trabalho. Foi quando comecei a ver os temperos que eu não gosto de jeito nenhum, sendo o caso até hoje. Lembro a primeira vez que comi algo com coentro, com o gosto infame invadindo minha boca, ou então quando experimentei curry e butter chicken, que além de ter gosto ruim, eu acho nojento. A maioria dos dias levava almoço, que esquentava na cozinha da empresa e comia com um grupo de pessoas. Eu gostava de ir na cozinha, era um ambiente legal.
New Market tem também bastante lojas e pubs, e eu gostava de passear por lá na hora do almoço. Muitas vezes depois do trabalho ia pra algum pub com alguém.
Eu adorava o trabalho, o time, a empresa, e o bairro onde ela ficava. Fiz muitos amigos na empresa, alguns que são amigos até hoje, apesar de não moramos mais na mesma cidade. Foi a primeira vez que tive contato com um time internacional, com pessoas de países tão diferente do meu.
Aprendi e cresci muito profissionalmente e pessoalmente por causa dessa empresa, das pessoas e do trabalho que eu fiz lá. Tenho memórias muito felizes do meu tempo lá. Claro que tive frustrações e tiveram dias que eu queria desistir, mas isso fez parte. Os anos mais felizes que tive na Nova Zelândia foram de quando trabalhei lá. Foram, no total, 2 anos e 7 meses. Quando saí da empresa, meu chefe me falou que eu havia sido bem sucedida em tudo o que eu havia feito, e que ele estava triste que eu estava saindo, mas que fiz um excelente trabalho. Serei eternamente grata a ele, que deu chance pra uma estrangeira da América latina provar do que ela é capaz. Ainda hoje em dia, muitas empresas se recusam a dar chance.
Em 2015, quando voltei pra visitar Auckland, fui na Woosh pra ver uma das minhas ex-colegas de time, a Elena, russa. Ela que me ensinou a ler e escrever em russo. Claro que eu não entendo o que estou lendo, pois não falo russo, mas eu entendo o alfabeto e isso foi bem útil nas viagens que fiz pra Rússia anos depois.  Fiquei triste em ver que a empresa estava em decadência. O serviço de internet sem fio não estava mais dando certo, e a empresa parecia estar perto de fechar as portas. Havia uma ou duas pessoas lá, ainda da minha época, mas o ambiente jovem, informal, alegre e cheio de idéias de quando eu ainda estava lá havia ido embora. Estava tudo jogado, quebrado e escuro.
Ano passado, 2017, vi notícia de que haviam fechado as portas. Uma pena.


Time de desenvolvimento da Woosh
Estação de trem em New Market
Rua principal de New Market
Prédio onde era a Woosh Wireless
Sala onde eu trabalhava, com minha mesa na frente, à esquerda
Sala de almoço da empresa

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